Lua Rosa
São dias calmos, estou deitado de vermelho e peito aberto. Ouço um lindo som de tambores graves ao longe... Meu olhos começam a bater junto... buscando o som. E o ruído vai aumentando e cada vez gosto mais! Saio em sua direção e vou acelerando o passo. Há uma lua rosa no céu deixando tudo claro, como dia, olho para todos os lados e não sei precisar exatamente de que direção vem as batidas espessas e fortes. Mas elas começam a me tomar de um jeito instigante, vou me envolvendo nesse som antes mesmo de saber de que toque ele é feito. Meu compromisso com o som torna-se algo sério até que, num instante, paralisado, os olhos se abrem ainda mais... como que se fossem capazes de enxergar ainda mais. As mãos descem para estarem paralelas ao corpo e os pés deixam todo o corpo pesar contra o chão. Nessa hora, como que num ataque súbito invertem-se alguns polos e recebo um soco de informações, das mais escandalosas e assustadoras. Com o que vejo agora eu me sinto enganado! Talvez porque me permiti envolver tanto por essa batidas e corri atrás delas e dei a meu corpo e coração todo o torpor dessa batida estrondosa. Quando descubro que após o meu movimento em direção a esse hipnotizante som fez com que esse mesmo som invertesse o sentido e viesse agora em minha direção, antes, um som que só eu ouvia e agora uma imagem que só eu vejo. É uma manada!!!!!! Uma manada imensa! São milhares de búfalos grandes correndo em minha direção com tanta força que remonta uma cena tão bela quanto aterrorizante. Eu não sei o que fazer! Olho para eles paralisado, os encaro, mas eles me intimidam, começo a correr e a pensar em como conter esse fluxo de força. O ar começa a ficar pesado, denso de poeira levantada do chão e odor do animais. O ruído é tão intenso que não consigo mais nem mesmo me ouvir. Estou tomado pelo acontecimento que ao que tudo indica meu peito aberto, em vermelho, atraiu. Sigo em frente com coração acelerado mas eles estão comigo, lado a lado e me assustam! Tento enxergar algo, mas o ar está turvo... tento buscar algo a que eu possa me agarrar até que avisto qualquer coisa com formas simétricas, típicas da ação humana, seria um redil? Um grande estábulo? Um curral! Meu peito já está acelerado e sinto uma dor imensa nele. Não consigo pensar em mais nada e os tempos dos dias calmos se vão e penso que talvez eu nunca mais os sentirei. Estou aproximando do curral, vejo uma enorme porteira aberta e penso em atrai-los para dentro, não sei ao certo qual seria o próximo passo dessa estratégia de sobrevivência mas sinto que, no momento, é o que devo fazer. Devo colocá-los diante de mim, contê-los! Depois que entro, todos começam a entrar e começam a se acalmar. Paro dentro do curral num recuo um pouco elevado. Eu ainda não consigo enxergar muita coisa, há muita poeira no ar e não posso ainda tomar nenhuma decisão. Não consigo nem ao menos respirar direito. Há um cheiro forte de terra no ar e um cheiro de pêlos e suor animalesco. Estou ainda enebriado e sedado com aquele cheiro, com aquele som, com aquela visão. Mas espero até que a poeira baixe para tomar qualquer decisão. Começo a me ver sobre o recuo onde me posiciono e de onde estou começo também a encarar aquela manada. Ela realmente é aterradora! Começo a ver suas cabeças se acalmando em movimentos para cima e para baixo. Vejo uma fêmea com tetas enormes a jorrar leite e enormes chifres altivos em movimentos cada vez mais lentos. Vejo esses animais nos olhos, os encaro, admito sua força e grandeza e me acalmando reconheço também a minha força, a minha sagacidade e domínio. Me reconheço neles e os reconheço em mim. Reconheço que todos estamos numa mesma enorme esfera de vida colorida assim como somos um borrão num imenso universo de cores e formas desconhecidas. Somos todos parte de um todo e somos partes distintas uma da outra e que temos intervenções um sobre o outro de maneiras diferentes. Volto meu olhar para meu peito vermelho e impressionado comigo mesmo percebo o poder de atração de um coração aberto e o peso e força daquilo que ele pode trazer para si. Reconheço que quando sou tomado por uma atração assim, só mesmo após sentir o gosto, ouvir os sons, sentir o cheiro e esperar até que a poeira baixe, só nesse momento e após tudo isso posso entender o que atraí e com o ar limpo posso ver claramente onde estou e ainda posso perceber como, astutamente, conduzi meu peito aberto para esse novo lugar.